O
metabolismo do colesterol
Ao longo
dos anos vi um senhor que comia uma dúzia de ovos por dia havia mais de trinta
anos e tinha colesterol total de 160 (pelos padrões atuais, recomenda-se que
sejam mantidos valores abaixo de 200). Encontrei uma mulher de 40 anos com
colesterol de 280. Quando lhe disse que precisava reduzir gordura animal,
respondeu-me que era vegetariana havia doze anos.
Isso quer
dizer que o metabolismo do colesterol pouco respeita as virtudes da pessoa.
Nossa capacidade de interferir com a concentração de gordura no sangue é
limitada pelos fatores genéticos. Tanto que mesmo a propalada influência do
colesterol na incidência de doença coronariana é simplesmente discreta.
Na
referida matéria da Science, Gary Taubes relaciona seis estudos publicados na
década de 1980, que ilustram as observações anteriores. Quatro deles,
realizados nas cidades de Honolulu, Chicago, Framingham e em Porto Rico,
compararam o tipo de dieta com a incidência de doença coronariana. Nenhum
demonstrou que dietas de baixo conteúdo de gordura animal reduzissem o número
de ataques cardíacos ou aumentassem a longevidade.
Um quinto
estudo, Multiple Risk Factor Intervention Trial (MRFIT), custou US$115 milhões.
Os participantes foram aconselhados a adotar simultaneamente várias medidas
para reduzir o risco de doença cardíaca: deixar de fumar, controlar hipertensão
com medicamentos e cortar gordura da dieta. A análise dos dados finais mostrou
que a redução de gordura não fez qualquer diferença na incidência de doença
coronariana, mesmo entre hipertensos e fumantes. Ao contrário: entre os que
adotaram dieta com menos gordura, a mortalidade geral (todas as causas
reunidas) foi mais elevada.
Gordura X
Carboidratos
Gary
Taubes, no site do Departamento de Agricultura americano, na seção Nutrient
Database for Standard Reference, encontrou a composição de uma chuleta (T-bone)
rodeada por uma camada generosa de meio centímetro de gordura. De acordo com os
dados, depois de grelhada a chuleta é composta por porções iguais de gordura e proteína:
metade de cada. O autor caracteriza assim a composição da parte gordurosa da
chuleta: “51% dela é gordura monoinsaturada, da qual virtualmente tudo é o
saudável ácido oléico – o mesmo do óleo de oliva; 45% é gordura saturada, pouco
saudável, mas um terço dela é ácido esteárico, componente no mínimo inofensivo.
Os restantes 4% do total são gordura poliinsaturada, que também melhora os
níveis de colesterol”.
A análise
da composição deixa claro que uma chuleta não chega a ser uma arma tão mortal
quanto nos fizeram crer. Taubes faz as contas: “Bem mais do que metade – e
talvez até 70% – do conteúdo gorduroso contribuirá para melhorar os níveis de
colesterol. Os 30% restantes provocarão aumento do LDL (colesterol “mau”), mas
também aumentarão o “bom” colesterol (HDL).
“Se em
lugar da chuleta a pessoa ingerisse pão, macarrão ou batata”, continua Taubes,
“seus níveis de colesterol ficariam piores, embora nenhuma autoridade de
nutrição tenha coragem de dizer isso publicamente.
Neste
momento, a relação gordura versus carboidrato na dieta ocupa posição central no
debate entre pesquisadores. A célebre pirâmide nutricional que as autoridades
de vários países – entre eles o Brasil – adotaram, com a base larga para
indicar os vegetais que devem ser ingeridos em abundância, a parte
intermediária referente aos carboidratos que podem ser ingeridos com
liberalidade e o topo da pirâmide que corresponde à gordura animal a ser
consumida de forma muito restrita, tem sido questionada. Alguma coisa
precisamos comer. Se não for carne, o que será?
A lógica
é cristalina: dificilmente substituímos o bife do jantar por tomates ou
cenouras. A carne costuma ser trocada por carboidratos. Dietas com baixo teor
de gordura animal quase sempre são fartas em pão, macarrão, tortas e doces.
Por
razões mal conhecidas, temos mais dificuldade para limitar a ingestão de
carboidratos do que a de gordura. Não é fácil encontrar alguém capaz de comer
duas picanhas no almoço, mas pão, macarrão e doce ingerimos em quantidades
muito maiores. E, pior, digerimos esses alimentos bem mais rapidamente.
Na
digestão dos carboidratos, o pâncreas é solicitado a produzir insulina para
quebrá-los em açúcares mais simples que vão ser estocados nos depósitos
naturais do organismo. Enquanto os açúcares contidos em frutas e vegetais
aparecem na circulação sangüínea em concentrações que aumentam lentamente à
medida que vão sendo absorvidos pelo tubo digestivo, alimentos como pão,
macarrão, arroz e doces dão origem a picos na circulação imediatamente depois
da ingestão.
Tais
picos súbitos de carboidratos obrigam o pâncreas a produzir quantidades
excessivas de insulina para quebrá-los e estocá-los rapidamente. Uma vez
armazenados, a energia associada a eles não está mais disponível, e o corpo
sente fome outra vez.
Além de aumentar
o risco de diabetes pela estimulação exagerada do pâncreas, dietas com alto
conteúdo de carboidratos provocam aumento de triglicérides e de LDL (o “mau”
colesterol), e redução dos níveis de HDL. Esta tríade de eventos bioquímicos é
conhecida como resistência à insulina (ou síndrome X) e está intimamente ligada
ao aumento do risco de doença coronariana.